26 julho 2011

Assalto ao Banco Central

Ficha Técnica: Assalto ao Banco Central (Idem, 2011, Brasil. Direção: Marcos Paulo. Roteiro: Rene Belmonte, Lucio Manfredi. Elenco: Milhem Cortez, Lima Duarte, Giulia Gam, Eriberto Leão, Eduardo Magalhães, Tonico Pereira, Créo Kalleb. Duração: 99 minutos. Cotação: **).

por Márcio Sallem
Cinema com Crítica

O furto ao Banco Central de Fortaleza em agosto de 2005 foi o maior da história brasileira e o segundo maior do mundo, com uma quantia de R$ 164 milhões de reais e o envolvimento de uma enorme cadeia de criminosos, de todos os níveis sociais e estados da federação, inclusive com a participação do PCC. Com esse pedigree e a ousadia dos criminosos que cavaram um túnel de quase 80 metros para concretizar o furto, Assalto ao Banco Central é uma história com um gigantesco potencial cinematográfico o que torna maior a decepção do espectador diante do esforço pedestre e da narrativa capenga e desengonçada de Marcos Paulo. Existem alguns bons momentos, mas como a única experiência anterior de Marcos Paulo na direção foi em novelas e minisséries da Globo, a sua transição para as telonas carrega muitos vícios da mídia televisiva e o pior, uma linguagem cinematográfica impessoal e derivada que nunca sabe muito bem o que está fazendo em tela.

Evidentemente inspirado no cinema de roubo de bancos de Hollywood, Marcos Paulo desenvolveu uma estranha e desajeitada combinação de Onze Homens e um Segredo, Os Suspeitos e Trapaceiros de Woody Allen. Ok, a última comparação é uma coincidência, porém muitas das ações dos criminosos assemelham-se perigosamente a esta comédia, e não necessariamente nos momentos apropriados de alívio cômico. De todo modo, a combinação desses longas não seria necessariamente ruim se Marcos Paulo estruturasse cuidadosamente as duas linhas temporais da narrativa, a primeira que acompanha a quadrilha liderada por Barão (Milhem Cortez) nos eventos que antecedem o roubo, e a outra, nos eventos após o roubo, durante a investigação dos delegados da polícia federal Amorim (Lima Duarte) e Telma (Giulia Gam). Pois, a verdade é que o diretor, mesmo sabendo estar narrarando uma história de ampla divulgação na mídia e consequentemente de conhecimento popular, consegue mutilar todo o restante do suspense em decisões impensadas na montagem das duas linhas narrativas.

Quando um funcionário de inspeção sanitária bate à porta do quartel general dos bandidos avaliando a existência de focos de dengue, Marcos Paulo tem a má decisão de rapidamente cortar para o depoimento dele na polícia federal. Assim, o comportamento ameaçador de Firmino (Cadu Fávero) durante a visita e as tentativas de Mineiro (Eriberto Leão) de amenizar a situação perdem todo o suspense porque evidentemente sabemos que o agente sanitário sairá vivo da casa. Da mesma forma, após a morte de Saulo (Créo Kellab), a montagem desastrada de Marcos Paulo novamente pula para a linha temporal da investigação, e revela na fala de Amorim, a morte de outro personagem, transformando a cena de extorsão existente no terceiro ato em um anti-clímax justamente ao revelar que as infrutíferas agressões sofridas pela vítima resultarão na sua morte. Outras situações acabam padecendo do mesmo mal porque a direção não consegue administrar apropriadamente as múltiplas linhas temporais, revelando a infantilidade do ralizador em tentar ser relevante e inteligente, quando uma narrativa linear seria mais apropriada e bem sucedida.

Assalto ao Banco Central também tem graves problemas nos enquadramentos e na mise en scène, apresentando uma abundância de planos médios engessados mais adequados à televisão e ganchos que parecem extraídos dos folhetins da rede Globo, causando uma série de elipses desengonçadas que acabam resultando nos problemas mencionados no parágrafo anterior. E o que dizer da perseguição de um carro cegonha nas estradas cearenses empalidecendo até mesmo diante de cenas gêmeas de novelas menores? Finalmente, a trilha sonora de André Moraes relembra o cinema de ação da década de 80, mas não de uma forma elogiosa, pecando principalmente pelo uso excessivo dos acordes graves nos momento chave da narrativa - e novamente, a perseguição de carros é um exemplo de como não usar a trilha sonora.

O roteiro de Rene Belmonte, habituado a comédias e romances (Se Eu Fosse Você 1 e 2, Sexo com Amor), consegue transformar uma história densa e excitante, em uma narrativa cansativa que sequer se preocupa em se aprofundar no tema, cometendo o mesmo equívoco de muitos policias na investigação, satisfazendo-se apenas em arrancar o verniz do assalto, abandonando completamente as diversas motivações políticas e criminosas existentes. O destino de uma quantia do dinheiro para aquisição de um prédio no Rio Grande do Sul e realização de um furto similar não é mencionado, a sugestão do envolvimento de políticos ou autoridades do alto escalão apenas ganha ênfase na presença de um enigmático Cássio Gabus Mendes e sequer os letreiros finais incomodam-se de dar alguma informação recente sobre o caso, como é de praxe em narrativas baseadas em uma história real. 

Esse desinteresse do roteirista pelo riquíssimo material se torna evidente com a construção de personagens unidimensionais e pobres, mais facilmente definidos pelos seus ofícios ou opções do que por suas ações. Dessa maneira, as formas que o roteirista escolhe para transformar Barão na mente do crime é incluir uma referência ao livro A Arte da Guerra na cabeceira de sua cama ou ilustrar o personagem jogando xadrez consigo mesmo. No entanto, o roteiro sequer enxerga a sua estupidez quando o "inteligente" Barão mata Saulo, esquecendo que a vizinhança certamente ouviria um tiro disparado sem o mínimo cuidado de usar um silenciador. Nesse mesmo sentido, temos: Mineiro, o galinha que não resiste a um rabo de saia; Devanildo (Vinícius de Oliveira), um evangélico que a todo momento pede perdão a Deus ou empunha a Bíblia; Tatú (Gero Camilo), o alívio cômico. Nem mesmo o advogado da quadrilha interpretado por Daniel Filho escapa, sempre retratado usando óculos escuros, mesmo dentro de uma sala fechada e escura de interrogatório ou na sua casa. E apesar de não poder exigir muito de desenvolvimento de personagens em uma narrativa com quase 20 integrantes e apenas 100 minutos, o mínimo que o roteiro poderia fazer é transformá-los em figuras interessantes e mais próximas da realidade.

Assim, não chega a ser surpresa que Tônico Pereira consiga se destacar no elenco, arrancando risadas com o seu jeitão debochado comunista, recitando Lenin e Marx, e que Lima Duarte consiga construir o personagem mais interessante da narrativa, o típico policial prestes a se aposentar, mas apegado a décadas de trabalho na corporação. Por outro lado, é difícil não comparar Milhem Cortez a uma mistura do Danny Ocean de George Clooney e do Keyser Soze de Kevin Spacey, falhando miseravelmente em extrair a genialidade deste e o carisma daquele. Finalmente, permaneço em dúvida das motivações de Carla (Hermila Guedes), o que denuncia a abordagem equivocada da personagem, pois em um momento ela é vista como uma ninfomaníaca interessada apenas no dinheiro do Barão, para em seguida ser vista como a "mocinha" ingênua da narrativa apaixonada por Mineiro.

Porém, Assalto ao Banco Central consegue ser pontualmente interessante, pois a força do fato narrado as vezes supera a direção desastrada de um diretor de novelas, o roteiro pedestre e derivado e as interpretações desinteressantes. Mas, aplaudamos de pé (quase) toda a equipe realizadora, por cometer um crime maior do que aquele exibido em cena: o assassinato de uma das maiores histórias de assalto a banco.

P.S.: o tratamento conferido a dois personagens homossexuais da narrativa apenas demonstra a "maturidade" e "sensibilidade" com que certos diretores conseguem trabalhar este tema.

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