11 abril 2011

Rio (2011)

Autor : Márcio Sallem

Blu é a última arara azul macho da sua espécie, dizimada pelo homem e praticamente extinta diante da atuação de contrabandistas de animais, evento ilustradado com bastante eficiência na divertida sequência musical inicial que, aos poucos, ganha contornos de tragédia e culmina na bela elipse do engaiolamento de nosso herói. Não bastasse representar a perda da liberdade física, o roteiro de Don Rhymer também remonta satisfatoriamente à perda de uma liberdade natural ou instintiva, deveras maior, ao revelar a inabilidade de Blu em voar como os outros pares da classe das aves. Amado e criado como um membro da família pela carente e workaholic Linda, Blu sequer consegue vislumbrar a infeliz ironia de ser apenas um bicho de estimação. Mas a proposta de Túlio, um cientista apaixonado por aves, de acasalar Blu com Jade em seu habitat natural, o Rio de Janeiro, é o catalisador de uma grande e colorida aventura.

 
Se fosse tão ambicioso narrativamente como nos minutos iniciais, Rio talvez fosse a melhor animação do ano pois, como falei no texto de Rango, 2011 é um bom ano para desbancar a Pixar e a Dreamworks, haja vista que seus lançamentos carecem da originalidade de anos anteriores. Porém, Don Rhymer rapidamente abandona as ambiguidades e ousadias nesta linda película, para se concentrar em uma aventura divertidíssima e engraçada, o que não é nenhum um pecado, mas é o que distingue obras como esta de outras como Toy Story 3 ou Wall-E. Pontualmente, o talentoso diretor brasileiro Carlos Saldanha consegue dar aspectos maiores à produção introduzindo críticas ao tráfico de animais silvestre e ilustrando a personalidade traumatizada de Blu através de breves flashbacks refletidos nas experiências que a natureza lhe impõe. No entanto, quando as luzes se acendem, esta é "apenas" uma ótima aventura, e as aspas se justificam porque faltou muito pouco para ser excelente.

O roteiro recorre à máxima das comédias românticas, pois Blu e Jade se odeiam desde o início, ela apaixonada por sua liberdade, e ele apenas querendo retornar à pacata Minesota e sua rotina. Todavia, depois de sequestrados por contrabandistas de aves e acorrentados, eles devem escapar da cacatua psicopata Nigel, e na fuga conhecerão outros personagens, como o tucano Rafael e as aves sambistas Nico e Pedro, alívios cômicos fartos em boas piadas e gírias naturalmente cariocas. Desconfio, inclusive, que a versão dublada seja ligeiramente superior à americana, deixando a desejar nas piadas que perdem seu sentido, como àquelas que envolvem as dificuldades de comunicação entre Linda e um organizar de uma escola de samba que obriga a tradução a incluir a expressão "my bird".
Apostando em uma fotografia de cores vibrantes e tomadas panorâmicas de toda a cidade maravilhosa que ganha contornos máximos no clímax da narrativa em pleno Carnaval na Sapucaí,Rio é um dos melhores cartões postais produzidos da cidade, apresentando de maneira orgânica os pontos turísticos da cidade e os passeios, como o Cristo Redentor, o calçadão de Copacabana ou os Arcos da Lapa. Mas, o diretor Carlos Saldanha não se detém apenas na beleza da cidade, como também romantiza uma paisagem mais perigosa das favelas do Rio na genial fuga de Blu e Linda e nas estreitas ruas, ladeiras e escadarias.

E nem todas as cores evitam que Carlos Saldanha cria momentos assustadores, como aquele que revela uma prisão de gaiolas em um ambiente sujo e mal iluminado. Diferentemente, a danceteria das aves é um conceito descartável. Cuidadoso no aspecto técnico, observe que cada uma das aves tem uma individualidade desde a plumagem, a animação é detalhista ao ilustrar a marca das queimaduras de sol de Linda no pescoço ou mesmo em detalhes banais e irrelevantes, como o cachecol verde e amarelo de Túlio. As gags também são, na maioria das vezes acertadas, como o papagaio maluco que só consegue repetir "loro quer biscoito" ou o morcego com medo de sol. E como é bela a rima visual na forma quase etérea e endeusada com que são fotografadas Jade e Linda aos olhos de Blu e Túlio.

Recheado de personagens carismáticos, Blu pode ser descrito como uma mistura de Woody Allen e o pinguim Happy Feet. Medroso, hipocondríaco e rotineiro, a arará azul encontra inúmeras dificuldades justamente na incapacidade de voar, tornando-o indefeso a uma série de ameaças. Jade, por sua vez, é espirituosa e forte, sinônimos de apaixonante. Enquanto isso, Nigel é um antagonista digno, exagerado apenas na animação psicótica dos seus olhos e na montagem musical que apresenta sua "história de origem". Os micos, no entanto, me incomodaram porque pareceram um retrato preconceituoso das gangues criminosas cariocas - os vemos furtando relógios e anéis, desdentados e com detalhes tribais como brincos e prendedores de cabelo.

A trilha sonora de John Powell é um show à parte, misturando elementos tradicionais com àqueles características de tambores e percusão do samba brasileiro, aproveitando-se aqui e ali de clássicos da bossa nova e da MPB.

Intenso, vibrante e colorido como as cores do Rio de Janeiro, Rio seduz, diverte, enche os olhos e satisfaz o ouvido. Uma experiência ótima e emocionante que, caso fosse mais ambiciosa, mereceria o adjetivo que faz jus a este encantadora cidade: maravilhosa!

Matéria Original : Cinema com Crítica

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