10 abril 2011

VIPs (2010)


Escrito por Márcio Sallem

Marcelo da Rocha é uma figura "bizarro", coerente ao apelido que ostentou ao longo de toda adolescência. Habituado a incorporar características daqueles que o rodeiam, e neste sentido a cena inicial em uma sala de aula ilustra de maneira eficiente e prosaica o talento do jovem, a história de Marcelo se confunde inequivocamente com a de outro falsário e estelionatário real: Frank Abgnale interpretado por Leonardo DiCaprio em Prenda-me se for Capaz. Comum a ambos, além da habilidade de encarnar suas mentiras de forma plenamente convincente, está a paixão por aviões e uma vida familiar confusa, especialmente àquela provida pela figura paterna. Similar em qualidades e essência ao análogo filme norte-americano, VIPs se estabelece como uma comédia de farsa satisfatória, revestindo-se de uma ingenuidade absurda e surreal, e ao mesmo tempo lança um olhar carismático e condescendente sobre um personagem com transtornos graves de personalidade e caráter.

Estabelecendo a narrativa no clássico drama entre pai e filho, o roteiro de Thiago Dottori e Bráulio Mantovani apresenta Marcelo como um jovem apaixonado pela aviação graças ao ofício de piloto do pai, interpretado por Norival Rizzo. E em um país apaixonado por futebol, a imagem de aviões desenhados nos gomos de uma bola acaba revelando exatamente o tamanho da paixão do garoto. Mas, apesar de demonstrar afeto, a proximidade de pai e filho restringe-se a um jogo de perguntas e respostas relacionando cidades e aeroportos e aos ensinamentos confusos e desprovidos de um sentimento iminente na vida de Marcelo.
 
Intimidado (ao invés de inspirado) pela figura paterna a tornar-se um piloto, Marcelo abandona a mãe e foge para o Mato Grosso do Sul, onde eventualmente consegue emprego de piloto de um grande traficante de drogas e armas paraguaio. Removendo o juízo moral acerca do trabalho e os perigos atinentes a este, o diretor Toniko Melo opta, na maioria das vezes acertadamente, no tom descaradamente cômico e no ar ingênuo e bonachão de Marcelo, revelando inclusive uma postura quase empreendedora, ao substituir, por exemplo, um motorista bêbado para proteger uma importante carga. Logo, arrancam fartas risadas a imitação de Renato Russo ou o primeiro pouso de Marcelo acompanhado do traficante interpretado por Jualiano Cazarré. Por outro lado, Toniko Melo falha em ilustrar um mínimo de risco ou emoção no pouso kamikaze de Marcelo.
 
No entanto, após ser detido pela Polícia Federal, na qual contará uma impressionante história e que encontrará reflexos cômicos somente 15 minutos depois, a narrativa inicia sua segunda metade no reencontro de Marcelo com sua mãe (no belo enquadramento que ilustra o afastamento dos dois de maneira singela e econômica), e na eventual mentira que o tornou nacionalmente famoso, ao personificar Henrique Constantino, dono da GOL. Desviando o foco do humor para uma análise ácida da cultura a celebridades e o poder do nome, VIPs faz crítica aos camarotes dos famosos das grandes festas brasileiras, e como dentro destes, as ditas celebridades acabam tornando-se pessoas comuns sujeitas a traições, ao alcoolismo ou às difamações entre pessoas do mesmo meio. E mais: parece existir, inclusive, uma espécie de hierarquia nesses ambientes, motivado pelostatus quo e poder, e é emblemático o tratamento do ator Renato Jacques (Roger Gobeth) antes e depois de "conhecer" Constantino. Finalmente, Amaury Jr. ameniza a gafe cometida ao reprisar o mesmo evento que glamourizou Marcelo aos olhos de todo o Brasil.

Acertando mais do que errando, Toniko Melo investe em momentos sensivelmente inteligentes como naquele em que o painel de instrumento de um avião é iluminado gradativamente quase como se estivesse ganhando vida. Similarmente, o corte seco que antecede um plano conjunto revelando uma parede repleta de armas acaba atingindo o efeito humorístico desejado, e as imagens recorrentes de um peixe ou de um toureiro também trazem o simbolismo almejado pela direção. Por sua vez, um plano submerso surge sem qualquer fim narrativo (a não ser revelar uma nadadora recheada de curvas) e a presença de máscaras acaba surtindo um efeito óbvio e repetitivo demais.

Wagner Moura, indiscutivelmente o melhor ator brasileiro da atualidade, empresta um carisma que rivaliza à intensidade e brutalidade com que viveu Capitão Nascimento (e entender a participação do BOPE como uma piada interna é papel do espectador). Assim, em um papel que, em um casting prévio seria atribuído a Selton Mello, Wagner Moura consegue exibir a doçura e ingenuidade necessárias para que tenhámos afeição imediata ao trambiqueiro. E as personificações acabam revelando facetas da genialidade do ator: se o piloto Carrera surgia ousado e admirado consigo mesmo, o Constantino aparece tímido no sorriso discreto que lança aos demais. Também estão bem Juliano Cazarré e Roberto Gobeth que contribuem, sobretudo, no aspecto humorístico do projeto.

Reservando uma inesperada surpresa que apenas engrandece a história de vida de Marcelo, VIPs, afora alguns problemas pontuais, falha gravemente no final que acaba funcionando como um anti-clímax da narrativa. Mas até aí, acompanhamos uma figura extraordinária em uma jornada que de tão absurda, só pode ser verdade.

Matéria original no Blog Cinema com Críticas

2 comentários:

Fique ligado, até o final do mês vou fazer um artigo bem legal sobre a carreira de Woody Allen e (quase) toda sua extensa filmografia!

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