09 março 2011

Esposa de Mentirinha (Just Go With It, 2011)

Escrito por Márcio Sallem

Desde 1999 a produtora de Adam Sandler, a Happy Madison Productions, despeja atrocidades auto-entituladas comédias para a família nos cinemas e que revelam, invariavelmente, o mau gosto do fundador e de toda a trupe de diretores, roteiristas e atores associados aos projetos. Assim, para os satisfatórios Como se Fosse a Primeira Vez ou Eu os Declaro Marido e... Larry, são produzidas uma meia dúzia de bobagens medíocres como Tratamento de Choque, Click e Gente Grande e outra meia dúzia de calamidades como Little Nicky, Gigolô por Acidente, Animal, Joe Sujo, Garota Veneno... e esta última lista é tão grande que  poderia esgotaria os caracteres restantes para descontruir essa esporadicamente engraçada, mas incrivelmente boba  e insossa comédia "romântica".

É interessante que Esposa de Mentirinha seja a refilmagem do engraçado Flor de Cactus de 1969, no qual Walther Matthau interpretava um dentista que convencia a enfermeira  interpretada por Ingrid Bergman a posar de esposa para sustentar a mentira contada a personagem de Goldie Hawn (que por este filme ganhou o único Oscar de sua carreira). Transportado para os dias atuais de Dr. Hollywood, o roteiro de Allan Loeb e Timothy Dowling transforma o dentista do original em Danny, um cirurgião plástico bem sucedido em Beverly Hills e ideal para que Adam Sandler crie uma extensa galeria de infames piadas sobre deformidades plásticas, e portanto, o uso excessivo de botox ou silicone parecem ser os únicos recursos do comediante.

Mas, se a mudança de ofício parece justificada pelo grande nariz de Cyrano de Bergerac, um crime da maquiagem na artificial prótese nasal, outras decisões dos roteiristas evidenciam a completa falta de inteligência da dupla. Katherine (Jennifer Aniston) não tinha filhos na versão original e, apesar de representarem alguns dos melhores momentos cômicos, também denunciam a inabilidade dos roteiristas em tornar verossímil e aceitável a mentira contada, o que apenas reforça a pergunta da pequena Maggie: "Porque você não conta a verdade?". Em outro momento, Katherine racionalmente apresenta um argumento interessante, pois se ela é a recepcionista e enfermeira de Danny, é inevitável que Palmer (Brooklyn Decker) descubra a verdade. Porém, Loeb e Downling sequer conseguem vislumbrar a ignorância em um crime que passa desapercebido debaixo de seus olhos, pois se Danny e Palmer desejam se casar no Havaí, como eles o fariam se Danny e Katherine supostamente não estão ainda divorciados? Bigamia deixou de ser crime?

Se todos os deslizes do roteiro denunciam a fraqueza, ou ao menos, a mediocridade, do projeto, o olhar dos roteiristas em enxergar referências é tão profundo quanto à maturidade de Palmer, assídua leitora da revista Seventeen e amante do N' Sync, o que para uma pedagoga, é quase o homicídio da educação dos nossos jovens. Assim, as piadinhas relativas à Senhor dos Anéis ou Jogos Mortais, ou menções a Californication e Hannah Montana, revelam toda a infantilidade do projeto e explicam o porquê de, depois de apenas uma breve conversa na praia e uma noite de sexo, Danny se apaixonar perdidamente pela infantilóide e ingênua  Palmer. No entanto, não se esqueçam do nome dos protagonistas, da suposta mensagem passada pelo roteiro e do gênero a que a produção pertence antes de imaginar o desfecho clichê da narrativa.

Comandada por Dennis Dugan, cuja maior qualidade parece ser deixar Adam Sandler fazer o que bem entender, a narrativa jamais encontra justificativas para se estender por quase 120 minutos. Temendo alongar-se ainda mais, o diretor insere um epílogo frouxo que pretende fechar as pontas soltas deixadas pela profusão de personagens e deixa a cargo do espectador a ingrata tarefa de imaginar a solução de todos os conflitos. Dennis Dugan é tão "inspirado" e "criativo" que ele se permite não apenas uma, mas três cenas em câmera lenta em que os personagens caminham descompromissadamente em direção à tela.

Esquecendo, por alguns instantes, as deficiências em roteiro e direção, o elenco de Esposa de Mentirinha é o elemento que escapa incólume ao término da produção. Jennifer Aniston mistura seu timing cômico e talento, conseguindo, aos 42 anos, pôr no chinelo Brooklyn Decker, 20 anos mais nova, em uma cena de biquini. Aliás, a atriz é hábil ao ilustrar em um breve e sutil olhar, enquanto fecha a porta do quarto de hotel, o arrependimento e a vontade de quem queria poder declarar seu amor. Os atores mirins Bailee Madison e Griffin Gluck são engraçadinhos e comprometidos com as caricaturas do roteiro, revelando-se espantoso como a jovem Bailee absorve de maneira consistente a composição britânica (e não me refiro apenas à fonética, e sim a todo o semblante e austeridade). E se Nick Swardson arranca algumas risadas fingindo ser um criador de ovelhas alemão, Nicole Kidman extrai de sua aura de diva um momento inspiradíssimo na dança de hula.

Clichê desde o primeiro acorde musical, ao estilo comédias de sessão da tarde, Esposa de Mentirinha é bobo, descartável, uma prova de que uma dúzia de risadas não faz um grande filme, mas impede, felizmente, que esta produção figure no rol das atrocidades destacadas no primeiro parágrafo da produtora de Adam Sandler. Ao menos isto!

Matéria original aqui.

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